sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O que aprendi com a esclerose múltipla

Hoje escrevo não com o lápis de pseudo investigadora jornalista de esclerose múltipla, mas com o lápis da Luísa. Há tempos que queria escrever aqui estes rabiscos para vocês... um post vindo do coração. Pois por muito que se escabulhe sobre uma doença, se não se for dar ao coração e à alma, é porque fomos pelo caminho errado!

Escrevo aqui hoje inspirada pelos meus maninhos do Gang e por um amigo, o Carlos, que ao falar da EM no blog dele, fala sempre com o coração na primeira pessoa. O blog dele está muito próximo do que cada um de nós passa no dia-a-dia, as desilusões, as conquistas, as surpresas, os silêncios, as frustrações, o caricato, as partilhas, as descobertas. O resultado, bem, podem ver em http://o_resistente.blogs.sapo.pt (também está na lista de links na coluna do lado direito). E comentem por lá também! Se repararem, os comentários dão uma vida extra aos blogs. Aqui estamos a precisar de sangue novo, de oxigénio, de rodadas de caipirinha, de... whatever, como quem diz, do que vos vier à gana!

Gosto de pensar que a esclerose múltipla não está no centro da minha vida. Reflicto por uns segundos, e sinto que a doença até pode ser muitas vezes o ponto de partida das minhas conversas e pensamentos. Mas nunca é o fim. Nem há fim, pois o comboio da EM transporta-me para os meus amigos, para os meus médicos amigos, para a minha família, para conversas longas no MSN, almoços do Gang, para lembranças ricas do passado, passo por outras memórias mais amargas, por muita dor, por muito alívio, para descobertas no presente, para o desconhecido no futuro. Por mais que pudesse pensar nas limitações que a doença me traz, descobri que tomar consciência dos meus limites me ajuda todos os dias a encontrar o caminho para me libertar! De cada vez que percebo onde tenho dificuldades, o ter a noção do que acontece e o porque aconteceu levou-me aprender a rir das situações, e as alternativas aparecem sem tanto esforço. E a melhor parte estava para vir depois... o partilhar destas descobertas com outras pessoas, com quem tem os mesmos problemas ou conhece/vive com alguém que os tem e realmente compreende, faz-me todos os dias mais feliz. Ainda vou a meio do caminho, mas já não parto do zero de cada vez que vem uma onda, me leva o castelo de areia, e tenho de recomeçar tudo de novo!

Agora escrevo destas coisas e desta forma... Mas o início, no momento em que no diagnóstico me disseram "tens uma doença desminielizante", tudo foi bem negro, frustrante. Por um lado passei a entender o que eram todos aqueles sintomas estranhos que tinha desde os 15 anos. Mas por outro, só me vinha à cabeça "e agora, o que vou fazer da minha vida??" Nesse momento parecia que me tinham arrancado o chão dos meus pés, nada valia a pena, fiquei sem nada onde me agarrar. Só sentia que ninguém entendia o que eu dizia, quanto mais entenderem o que eu sentia. A verdade é que nem eu me entendia... pensei seriamente que estaria mais louca do que doente! Calei-me, fechei-me. Foi duro. Muito duro. Cheguei a ficar algumas vezes sem conseguir andar, o que seria do meu futuro? Acho que muitos de nós passam por isto, as estórias de vida de uns e outros têm muitas semelhanças e muitas diferenças parecidas (ai a língua portuguesa tão traiçoeira).

Muita água passa pelo moinho até que chega a altura de negociarmos a nossa vida "nova", com todas as alterações que vamos encontrando como melhores para nós, numa batalha muito suada e difícil de dias, meses, anos. Mas olhando bem, é possível encontrar muitas coisas boas pelo caminho. Olhem só as pessoas fantásticas que se encontram por aqui, amigos conhecidos e desconhecidos :) E descobri pessoas maravilhosas que lutam por elas e por quem amam, independentemente da doença. Isso não é fantástico? Todos somos e podemos ser assim, heróis :)

O post vai um bocado longo, mas é para compensar o que ficou por escrever nestes últimos dois meses!! No meio da corrida desenfreada da vida, às vezes perde-se o sentido. E eu tenho o terrível defeito de acumular coisas para fazer :( Mas no fundo, tudo depende do valor que se dá às coisas. O que eu aprendi com a EM? Aprendi que tenho muita sorte e felicidade em poder nadar, ler e escrever, cantar e dançar, subir escadas e correr, chegar com o dedo à ponta do nariz com os olhos fechados (parece fácil mas não é!), ir à praia, fazer yoga, escolher entre ir a pé para o trabalho ou ir de bicicleta, sorrir e abraçar amigos, dar carinhos, amar e ser amada. Por isso desfruto de cada momento em que faço cada uma dessas coisas. São momentos únicos. Descobri que há uma distância de 1m70 entre as lesões do meu cérebro que me provocam as dormências nos dedos dos pés, a fraqueza nas pernas, nos joelhos e mais não sei onde. Pelo menos é o que diz a ressonância magnética. Ou seja, nem tudo o que parece é!!! E que uns dias uma coisa é uma coisa, o que não significa que amanhã será a mesma.

Aprendi que somos todos diferentes apesar de termos supostamente a mesma doença.

Ao fim de muito tempo e de carradas de "não sei" às perguntas que já fiz e faço à minha médica, aceitei que ela sabe tão pouco quanto eu sobre como tudo acontece e sobre o que vai acontecer, e isso não faz dela menos competente, muito pelo contrário. O que ela mais sabe é sobre a vida. E a vida é que é assim mesmo, imprevisível e com "prognósticos só no fim do jogo", porque é que a EM seria diferente de tudo o resto? :) Aprendi que o conhecimento só se torna em sabedoria através da experiência. E isso põe-me em pé de igualdade com a minha médica. Mas atenção, igualdade no saber significa igualdade na responsabilidade. Posso ser activa nas decisões quanto ao meu tratamento, mas isso implica investigar, reflectir, negociar, às vezes voltar atrás e descobrir que errámos, para que juntos, médico e doente, cheguem sempre à melhor solução em cada momento. Descobri na pele ao final de 3 anos que isto de tratar uma doença crónica não é um acto puramente teórico nem científico. A medicina sem ter em conta o que pensa e sente cada um dos lados, vale zero. Tratar e cuidar é ser humano. Segue aqui uma palavra enorme de apreço por todos os profissionais de saúde que se batem por nós a cada segundo. Sinto uma gratidão muito grande por tudo que fazem por mim. Sabem, é que mesmo naqueles momentos em que nós estamos felizes nas nossas vidas, eles estão lá longe preocupados a pensar em nós, no que nos poderá dar mais qualidade de vida. Apesar de acreditar cada vez mais que as minhas escolhas no estilo de vida, alimentação, relações pessoais, trabalho, o praticar yoga, o estado emocional são o que realmente "comanda" a balança da saúde e doença, não deixo de acreditar que os medicamentos nos possam ajudar um pouco neste processo, pelo menos até que aprendamos uma forma de travar todo o processo da doença. Não podemos é pensar que nos vão tratar de todos os males, nem tudo tem a ver com EM, temos de nos cuidar sem sermos uns coitadinhos! É por isso que entro a sorrir na Neurologia 3 dos HUCs (Hospital de Coimbra). Quem lá trabalha merece todos os sorrisos :) Não lhes peço que me curem. Apenas que me aturem!! eheh Estou a brincar, eles perdoam-me a loucura, afinal eu só tenho um "bocadinho" de esclerose múltipla, como um dia resolvi dizer a uma médica. Claro que toda a gente se partiu a rir com esta saída, mas é assim que tento levar a vida, de um modo leve, levezinho...

Desculpem o lençol tão longo e obrigada por lerem até aqui! A nossa vida dá pano para mangas e esta é uma parte de mim que queria partilhar.

(Obrigada Carlos, pela ideia e pelo título, obrigada maninhos, pela força)

E tu, o que é que aprendeste com a EM?

7 comentários:

O Resistente disse...

Olá a todos,permitam-me 1º que agradeça á Luisa ter mencionado o meu
nome,como um dos inspiradores para ela falar sobre a E.M,como ela disse com Alma e Coração e não só pela parte cientifica da mesma.Como
só alguns de vocês me conhecem pessoalmente,outros pelo Msn.Como é o 1º comentário que
estou a fazer neste blog que eu considero de Amigos,queria fazer uma
apresentação muito rápida:Sou um Provinciano que após terminar o serviço Militar,não vendo prespectivas de futuro na minha terra(não acabei o Secundário)sempre gostei mais de viver a vida e neste momento não me sinto arrependido,porque o que eu ia ganhar ter um "Canudo" e saber que tenho E.M?
Vim viver para o Porto com 22 anos,
optei na altura pela via mais fácil
ser comercial.Fiz vários Cursos de Formação,enquanto trabalhava,cheguei a trabalhar por conta própria,mas vieram os Hipermercados e deram-me cabo do negócio.Tive então que ir para uma Multinacional,onde ainda sou funcionário há 16 anos.Era responsável pelo departamento de distribuição,de Coimbra até Bragança,de uma marca de prestigio Mundial,digo era,porque já estou de baixa há 3 anos e as Empresas não podem parar.
Moro há 10 anos em V.N.Gaia,junto á
Praia e o Campo(engraçada esta Cidade)mas fiz-me o Homem que sou no Porto.
Mas vamos ao que interessa, o que aprendi com a Esclerose Múltipla:
Amigos- Verifiquei que tenho menos Amigos do que pensava ter,estive internado por 2 vezes nestes 3 anos
e foi só verificar quem me foi ver ao Hospital.Mas pior que isso foi verificar que a minha familia não era tão grande como eu pensava,e enquanto os amigos verdadeiros ficaram,tive familiares que me deixaram de ligar e ainda tenho que aturar de vez em quando atitudes de inveja de alguns familiares que em vez de me apoiarem,tentam-me mandar abaixo porque pensam que estou fragilizado,e quando, em alturas que nos juntamos,tenho que me impõr
para não ser maltratado,ficam com a ideia que sou um malandro,porque não sabem o que é a doença,estavam á espera que eu fizesse de coitadinho e me queixasse,mas aprendi se há alguém a quem me queixar é aos Médicos.
Casamento-Infelizmente a minha Mulher ficou mais fragilizada do que eu,o que por vezes não ajuda nada,não tem força para me apoiar e
ás vezes preciso de apoio e ela é que se queixa.Como existem coisas caricatas na vida!
Colegas de Trabalho-Não existem,perdoem-me a imodéstia,mas compreendo,era bom demais para tentarem concorrer comigo e assim é menos um.
Aprendi com a E.M. a ser mais Humano,dantes via uma pessoa de canadianas e nem sequer olhava para ela,hoje penso o que é que esta pessoa terá?Será que precisa de ajuda?Meto conversa com as pessoas mais humildes que ás vezes encontro no Hospital e não sabem o serviço para onde se dirigir,sentem-se sózinhas,e como o tempo de espera é como a gente sabe,é uma alegria por toda uma sala de espera a conversar uns com os outro,muitas vezes até me ponho de pé para dar tópicos para conversa,eh,eh.
Aprendi com a E.M. a linguagem dos
portadores,que para mim é como familia ou seja tentamos falar positivamente uns com os outros.
Inscrevi-me numa associação,neste momento mais para ajudar,porque no
inicio eles é que me ajudaram a mim.
Com a Esclerose Múltipla ainda estou a aprender,tento viver o dia-a-dia,planear projectos para o futuro,porque uma coisa é certa a E.M.não mata.
Aproveito para agradecer a todos(as) os portadores que fazem o favor de serem meus Amigos e que sei que posso contar com eles e eles conmigo.
Agradecer aos responsáveis por este Blog,Ruca(com quem falo sempre que preciso de ajuda)Luisa-Que conheci
no Almoço 2006,foi pena não termos tido tempo para falarmos,vamos aproveitar agora até ao próximo almoço,e a Dora(peço desculpa mas acho que é a única que não conheço.
Um abraço para todos os que visitam este Blog,e já agora apelo a todos para que comentem nem que digam algumas asneiras como eu mas a união faz a força.
Carlos Valtelhas

ARICADA MAN disse...

Olá Loisa!
Gostei de "ouvir" a tua (podemos tratar-nos por tu?) prosa. Tammbém sou portador desta nossa "amiga" e tal como tu, sinto que só tenho um "bocadinho" de esclerose múltipla. Apesar da doença que é e do que nos pode vir a acontecer(lembra-me agora uma conversa que ouvi entre duas pessoas que me visitavam no hospital: a minha tia e a enfermeira Claudina; a tia referia que ela tinha diabetes e também era complicado e a enfermeira retorquia: eu perfiro ter esclerose que diabetes!) ,encarei-a de uma forma positiva e sem complexos. Fui diagnosticado em Novembro passado mas, toda o apoio e acompanhamento que tive no hospital nunca me deixaram ir abaixo: os médicos sempre positivos e animadores, as jovens enfermeiras simpáticas, prestáveis e incansáveis, o apoio da enfermeira Claudina (também portadora)que logo me explicou a doença quando soube de mim e do diagnóstico, a simpatia dos auxiliares de acção médica sempre prontos para ajudar e, por último e se calhar o mais importante, os amigos e família que nunca me largaram e sempre visitaram durante as 5 semanas que permaneci foram primordiais para que encarasse a vida com ânimo.Somos iguais a todos os outros...apenas temos cá dentro uma "amiga" a que temos que saber dar a volta, enganando-a, pois temos lá fora os outros amigos e colegas de trabalho à nossa espera!
"Adelante",que para a frente é que é o caminho!
Ferreira

A Sonhadora disse...

O que aprendi com a EM!!!

Ui... aprendi tanto...
Bom... mas primeiro quero enviar muitas beijocas para voces todos e dizer-vos aquilo que já sabem:
-Adoro-voooooos!!!
Agora falando mais a sério...
Aprendi com o aparecimento da EM a dar mais valor às coisas que nós nem sequer olhamos para elas, a saber viver cada segundo das nossas vidas, aprendi a perdoar...
Ah! pois é, a perdoar.
Aprendi a expressar, às pessoas que me conhecem, os meus sentimentos a dizer-lhes o quanto as amo.
Aprendi a admitir que preciso de ajuda, que preciso do carinho, do amor e da amizade de todos!
Porque a realidade é mesmo esta preciso de vocês todos, acreditem!
Como também preciso do meu marido e do meu filhote e da minha restante familia.
Bom... desculpem este desabafo...
Para mim é uma honra ter-vos como amigos, somos uma verdadeira familia, eh!eh!eh!
Quer também partilhar convosco uma novidade, embora alguns de vós já saiba. A Esclerose Multipla em mim por agora está adormecida pois trago dentro de mim uma Vida, pois é, vocês vão ser tios e tias, AH!AH!AH!
Como eu costumo dizer: - Vivemos um dia de cada vez e o resto logo se vê.
Não vou escrever mais, por agora.
Despeço-me com beijocas ternurentas para todos e deixo os meus Parabéns para os benfeitores deste Blog (O nosso cantinho, OBRIGADO!!!
Vossa amiga alentejanita,
Anabela Rosado

loisa disse...

Obrigada amigos pelos vossos comentários! Todos temos isto em comum: vivermos livres. Quanto menos espaço dermos à doença, menos ela terá influência no nosso verdadeiro eu. Nós somos mais do que as nossas limitações!! Que atire a primeira pedra quem julgar que não as tem :)
Um abraço de muito carinho,
Luisa

Anónimo disse...

olá a todos
sou uma recente "aquisição" da EM e encontrei-vos.
..2 meses
estou a aprender tudo, creio que nasci agora

Bina Ladina disse...

Hello Loisa :)
Eu devia tar a dormir.. é tramado mas tou toda 'rota' adormeci na cami pra casa (o que vale é que saiu no fim e os motoristas já me conhecem)..

O que eu aprendi...
Aquele Carpe Diem é a expressão mais exacta do que eu aprendi!

Tou como o Carlos, aprendi que afinal tenho menos amigos do que pensava - mas os que tenho são 5 estrelas!
Também aprendi que isso da família (desculpem quem tem mais sorte) é uma valente de uma treta!
O palhaço do meu chefe que eu tanto "desfaço" no meu blog é meu primo e ainda teve a lata de dizer que estava a ajudar-me muito - cinismo é um mal familiar :X

E sim tenho que pegar nesta vertente de palhacita e ajudar-me mais vezes que esta conversa de eu animar os outros também me anima mas.. já tá na hora de "auto-animar-me" em dias tipo os de hoje que tou a ficar farta de vomitar - eu que tenho um pó dessas meninas anorexicas ando aqui pareço uma delas,... mas é fase, isto passa, nada que um bom soninho não cure :)
E sabes o que é ainda melhor?!
Amanhã é sábado :D

Sobre o nosso almoçinho... tou a ver se dou a volta ao calinas do meu pai que também é um mocinho do nosso clube e assim que tiver a 'boleia' dou sinal :D

Um obrigado pela paciência e por ser 'mãe' desta família - que pode não ser de sangue mas é uma família de verdade :D

Anónimo disse...

Ola minha menina!!! Estou sem palavras...
Obrigada por seres minha amiga, es tao intelegente nina :)).
Adorei tudo que escreves-te, assim TANTO, como te adoro a ti e tu sabes.
Depois de ler tudo isto, nada mais tenho a acrescentar.
So desejar-te muita forca, muita coragem, como tens tido ate aqui. O caminho é longo e nos vamos estar ca pro percorrer.
E lembra-te sempre, ela nao nos tem a nós, nos é que a temos a ela.
(As vezes penso: ainda bem que a tenho, nao teria encontrado amigas do coracao como vos!!!)
JuCastro